Andréa Arruda Vaz – Advogada, Pesquisadora, Mmestre e Doutoranda em
Direito Constitucional, UniBrasil.
Magna Sales de Carvalho – Acadêmica do Curso de Direito, Fapar.
Resumo
Este breve estudo apresenta a discussão a respeito da nota técnica emitida recentemente pelo Ministério Público do Trabalho afirmando que o empregado que se negar a tomar vacina pode ser demitido por justa causa. Tal tema comporta um confronto entre os princípios e garantias relacionados a liberdade e autonomia da vontade, em conflito com os poderes diretivos do empregador. Ainda, importante compreender que o STF em recente entendimento afirmou que o Estado não pode usar a força para obrigar o cidadão a se vacinar, porém pode criar restrições e barreiras de acesso, como por exemplo, matrículas escolares. A grande discussão aqui está relacionada a possibilidade de manutenção de eventual demissão por justo motivo, em função da negativa do empregado em se vacinar.
1) A Demissão por justa causa e a obrigatoriedade de submissão à vacinação contra a COVID-19
Desde o início da pandemia, muitas discussões envolvendo determinações de procedimentos para prevenir a disseminação do vírus e a possibilidade de violação de direitos e garantias fundamentais, têm sido aventadas. Ademais, tais discussões e temáticas estão relacionadas à violação de liberdades individuais, autonomia da vontade, entre outras questões. Outrossim, tal abordagem perpassa pela ideia de autonomia da vontade e respeito a intimidade e a vida privada, contidos no texto constitucional em seu artigo 5º..
Recentemente, em mini artigo defendeu-se que de um modo geral o cidadão não pode ser obrigado a tomar a vacina contra a COVID-19, sob o risco de violar a autonomia da vontade, direitos e garantias individuais. Ademais, neste artigo abordar-se-á a temática sob outra perspectiva, qual seja, do plano interno do contrato de emprego e do poder diretivo da empresa. A pergunta que fica é: cabe ao empregador exigir do empregado que este se vacine? Ainda, outra questão bastante controversa é a possibilidade de encerramento do contrato por justo motivo, em função da recusa do empregado em se vacinar.
Em notícia divulgada recentemente, o STF decidiu que
O Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam, compulsoriamente, à vacinação contra a Covid-19, prevista na Lei 13.979/2020. De acordo com a decisão, o Estado pode impor aos cidadãos que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), mas não pode fazer a imunização à força. Também ficou definido que os estados, o Distrito Federal e os municípios têm autonomia para realizar campanhas locais de vacinação (STF, 2020).
Sob tal perspectiva, o entendimento do STF é sedimentado de forma a compreender que o Estado não pode utilizar a força para vacinar, porém pode impor limites e impedimentos para frequentar determinados ambientes, citando o exemplo da matrícula escolar.
Importante entender que tal assunto guarda uma complexidade, uma vez que em debate se tem princípios de mesma hierarquia, qual seja, direito fundamental à saúde e a autonomia da vontade. A imposição de limites é assentada no princípio da preservação do interesse público ao interesse privado, principalmente quando o assunto é o risco de contaminação em grupo.
Voltando-se ao assunto aqui proposto, a respeito da autonomia da vontade individual do empregado e o poder diretivo da empresa, importa lembrar do princípio da liberdade econômica e livre iniciativa, assim como para com a liberdade de empreender. Tal temática, da mesma sorte comporta análise pautada em um sopesamento de princípios.
Nesse sentido, após a leitura integral do guia técnico interno do MPT sobre vacinação da covid – 19, publicado no dia 28 de janeiro de 2021, ressalta-se a parte que melhor diz respeito ao assunto em tela:
Persistindo a recusa injustificada, o trabalhador deverá ser afastado do ambiente de trabalho, sob pena de colocar em risco a imunização coletiva, e o empregador poderá aplicar sanções disciplinares, inclusive a despedida por justa causa, como ultima ratio, com fundamento no artigo 482, h, combinado com art. 158, II, parágrafo único, alínea “a”, pois deve-se observar o interesse público, já que o valor maior a ser tutelado é a proteção da coletividade (MPT, 2021, p. 63).
A nota técnica do MPT apresenta o enquadramento na indisciplina e insubordinação, qual seja, na alínea “h” do artigo 482 da CLT, pois segundo o MPT, após todos os procedimentos, em última razão e em sendo injustificada a recusa do trabalhador em se vacinar, justificaria o encerramento do contrato por justo motivo.
Ademais, a atuação da empresa no presente caso, assim como o entendimento do MPT se situam no direito prevalente a segurança e saúde coletiva como um direito humano e fundamental. E certamente, se o empregador compreender que a negativa em se vacinar coloque em risco os demais empregados e até mesmo terceiros que tenham contato com tal empregado.
Não obstante tal entendimento, aqui há que se ponderar a possibilidade de assim a empresa proceder, assim como o risco de reversão nos tribunais. Ademais, uma das possibilidades é a alegação de violação de direitos da personalidade, ou ainda, direitos e garantias fundamentais relacionados a intimidade e vida privada.
2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda não se tem o entendimento dos tribunais laborais, ademais tal entendimento é bastante novo e ainda não foi submetido ao crivo do judiciário, pois sequer a vacinação chegou nos quadros de empregados da maioria das empresas, assim como para a população geral em idade adulta.
Assim, existe o risco, tanto para a manutenção do empregado que se nega a tomar vacina nos quadros empresariais, assim como há o risco de reversão da demissão por justo motivo, por possivelmente o poder judiciário não aplicar o princípio fundamental da autonomia da vontade individual.
Enfim, este é um tema bastante polêmico, que certamente para a manutenção de eventual demissão por justo motivo, o empregador deverá demonstrar expressamente que notificou o empregado, forneceu tempo para se manifestar, assim como advertiu e até mesmo afastou o mesmo do trabalho.
Quando o assunto é o respeito à direitos e garantias fundamentais, há que se ponderar ambos os lados e suas posições. Ademais, até que ponto a autonomia da vontade, por qualquer motivo, seja ele ideológico, religioso..., pode ser compulsoriamente violada pelo empregador? De outro modo, não seria justo o motivo para desligar o empregado, quando este coloca em risco a vida e a saúde de outrem? E mais, as disposições do artigo 482 da CLT comportam tal ato? Ou se demandaria uma adequação legislativa expressa, que chancele a atuação do empresariado? A temática envolve princípios, seus pesos e suas medidas e a interpretação passará certamente pelo crivo do poder judiciário.
3. REFERÊNCIAS:
MPT. GUIA TÉCNICO INTERNO DO MPT SOBRE
VACINAÇÃO DA COVID – 19. Disponível em: https://www.google .com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiZjKGZkpDvAhXdK7kGHUV4AW0QFjABegQIAhAD&url=https%3A%2F%2Fmpt.mp.br%2Fpgt%2Fnoticias%2Festudo_tecnico_de_vacinacao_gt_covid_19_versao_final_28_de_janeiro-sem-marca-dagua-2.pdf&usg=AOvVaw0BCEgvDrlaS2NgRmYBaFa6, acesso em 01 de março de 2021.
STF. Plenário decide que vacinação compulsória contra Covid-19 é constitucional. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticia Detalhe.asp?id Conteudo=457462&ori=1, acesso em 25 de fevereiro de 2021.