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CONTROVERSIAS ACERCA DO CONTRATO DE LOCAÇÃO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS E LIMITES CONDOMINIAIS

Debora Cristina de Castro da Rocha[1]

Camila Bertapelli Pinheiro[2]

Edilson Santos da Rocha[3]


Em decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e confirmada pela 4ª turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1819075, fora corroborado entendimento de que o condomínio residencial tem a liberalidade para proibir a locação através de plataformas digitais, no que se inclui o aplicativo Airbnb, dentre tantos, pois, entendeu-se que a locação pela referida plataforma, in casu, estaria configurando contrato de hospedagem e não de locação. Nesse sentido, decidiu-se que, havendo regramento na convenção do condomínio proibindo a locação do imóvel para fins comerciais, os proprietários condôminos devem respeitar o dispositivo. Há controvérsias sobre o tema, principalmente porque a questão se mostra recente e deverá ser analisada de acordo com o caso concreto.

Diante das novas tecnologias e modalidades de prestação de serviços advindas dos novos formatos de contratação, – que não raramente preveem a utilização das residências para trabalhos home office, concomitantemente com a possibilidade das locações ocorrerem através de plataformas digitais -, têm se tornado cada vez mais comuns as divergências entre direito de propriedade e os limites aos direitos do condômino.

As controvérsias decorrem especialmente da hipótese de a locação do imóvel ter sido celebrada através das plataformas digitais, e mais do que isso, quando a sua utilização enseja uso diverso do fim previsto em lei, qual seja, da locação residencial do imóvel. Sob o viés da doutrina, quando o assunto versa sobre a locação de imóveis para o fim residencial, tem-se que a disposição do imóvel para tal finalidade, não possui nem de longe as características de eventualidade e transitoriedade, diferentemente da natureza das locações que ocorrem através das plataformas digitais, que têm por escopo a locação que permite apenas diárias, dentre a oferta de serviços de hospedagem, incluindo internet ilimitada, serviços de lavanderia e etc.

No REsp 1819075, ora em análise, fora constatado que a convenção de condomínio prevê expressamente que o uso das unidades deve se prestar à finalidade residencial, de modo que a locação decorrente da utilização de plataformas digitais, tais como Airbnb, estaria afrontando a convenção e a finalidade residencial do condomínio[S1] .

Imperioso destacar que, conforme se depreende daquilo que fora afirmado na decisão, não se pode considerar que as locações na modalidade digital consistiriam ou equivaleriam àquelas que tradicionalmente celebradas através de contratos de locação, ou que se compatibilizariam, eis que, se está diante de contrato de hospedagem, se distanciando, portanto, da locação para fins residenciais, configurando assim atividade comercial, [S2] proibida pelo condomínio residencial.

Para tanto, colaciona-se a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que originou o REsp de nº 1819075:

APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. ABSTENÇÃO DE REALIZAR ATIVIDADE COMERCIAL DE HOSPEDAGEM NO CONDOMÍNIO. A ausência de vinculação entre os inquilinos, a reforma do apartamento no sentido criar novos quartos e acomodar mais pessoas, a alta rotatividade de pessoas e o fornecimento de serviços é suficiente para caracterizar contrato de hospedagem. No caso concreto, caracterizado o contrato de hospedagem, atividade comercial proibida pela convenção condominial, impõe-se a manutenção da sentença de procedência do pedido cominatório formulado pelo condomínio, ficando vedado aos réus exercerem o referido comércio. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70075939884, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Julgado em 26/07/2018).

(TJ-RS - AC: 70075939884 RS, Relator: Marco Antonio Angelo, Data de Julgamento: 26/07/2018, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/08/2018

A respeito do tema, a Lei de locações (8.245/91), em seu artigo 48, dispõe que:

“Art. 48. Considera - se locação para temporada aquela destinada à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel.

Parágrafo único. No caso de a locação envolver imóvel mobiliado, constará do contrato, obrigatoriamente, a descrição dos móveis e utensílios que o guarnecem, bem como o estado em que se encontram.

Em contrapartida, o doutrinador Silvio de Salvo Venosa refere-se ao contrato de locação por temporada nos seguintes termos:

Como existe um prazo determinado para essa modalidade de locação, noventa dias, há necessidade de contrato escrito. A locação verbal não pode reger essa situação, já que fica subordinada ao art. 47... Ademais, o parágrafo único do dispositivo se refere ao rol de imóveis e utensílios que devem integrar o contrato, o que reforça a necessidade do pacto por escrito.[4]


Já no que concerne ao contrato de hospedagem, [S3] [S4] aduz o autor que: “o contrato de hospedagem, atípico, se caracteriza pela exploração de um imóvel ou parte dele destinado a dar habitação temporária [...] o imóvel destinado deve ser hábil para a finalidade ou ter a correspondente autorização legal de funcionamento; deve dar aos ocupantes ou hospedes, além do uso das unidades predeterminadas, serviços tais como luz, telefone, camareira, água corrente, mobília, utensílios de toalete, roupa de cama, portaria e limpeza. Além desses serviços, os hotéis residenciais oferecem também cozinha equipada [...] Geralmente o preço nos contratos de hospedagem vence dia a dia, daí, portanto o nome “diárias” que se lhe dá. O pagamento também nessa hipótese pode ser periódico ou não. Nada impede a cobrança adiantada por todo o período.”[5]

Ademais [S5] o contrato de hospedagem consiste na prestação de serviços do anfitrião, por exemplo. O que afastaria a relação locatícia, conforme doutrina da professora Maria Helena Diniz. [6]

Há que se considerar, por outro lado, que a Constituição Federal em seu art. 5ª caput e inciso XXII, artigo 19 da Lei 4.591/64[7], bem como os artigos 1.228 e 1.335 do Código Civil[8], garantem ao proprietário de um imóvel o direito de uso e gozo do bem, no que se inclui a possibilidade do exercício da faculdade da sua locação.

Nesta situação, entende-se que o exercício da locação não estaria ferindo o direito de propriedade. Todavia, quando o assunto se direciona à possibilidade de disposição do imóvel através de contrato de hospedagem, não restam dúvidas de que a referida modalidade diverge completamente da finalidade residencial, que se caracteriza pela habitualidade por parte dos locatários

Fato é, que o embate ultrapassa em muito aquilo que preconiza a lei e até mesmo o referido julgado, considerando que os limites condominiais podem, invariavelmente, se apresentar em manifesta colisão com o direito de propriedade, especialmente quando se tratar de imóvel em região litorânea, em cuja qual o turismo local está umbilicalmente relacionado à oferta de imóveis disponíveis, seja para locação ou hospedagem.

A despeito do entendimento exarado na decisão, se tratarmos de imóvel em cidades não litorâneas, os questionamentos permeiam, primeiramente, a alta rotatividade de pessoas que podem colocar em risco a segurança do condomínio e, segundamente, se a característica residencial não estaria se perdendo, pois, conforme a doutrina e a jurisprudência afirmam, o contrato de hospedagem estaria relacionado ao pagamento das diárias, conforme se constata a partir da análise daquilo que é objeto dos serviços oferecidos pelas plataformas digitais.

Entretanto, independentemente das elocubrações supra, certo que se revela de máxima importância dentro da perspectiva jurídica, que as disposições contidas na convenção de condomínio devem prevalecer nesses casos, pois, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, considerando estar-se diante de modalidade de contrato de hospedagem atípica, se torna premente que os condôminos se atentem à destinação das unidades, a fim de que sejam evitadas controvérsias sobre o tema e eventuais litígios, que sobrecarregam cada vez o Poder Judiciário.

Nesse sentido, vale trazer o entendimento do Ministro Raul Araújo:

“Tem-se um contrato atípico de hospedagem, expressando uma nova modalidade, singela e inovadora, de hospedagem de pessoas sem vínculo entre si, em ambientes físicos de padrão residencial e de precário fracionamento para utilização privativa, de limitado conforto, exercida sem inerente profissionalismo por proprietário ou possuidor do imóvel, sendo a atividade comumente anunciada e contratada por meio de plataformas digitais variadas". [9]


Portanto, diante da análise do julgado, bem como das disposições legais que regem a matéria, indispensável observar o que dispõe a convenção de condomínio, bem como a modalidade contratual a ser celebrada, de modo a evitar a configuração do contrato atípico de hospedagem, mormente àqueles que buscam destinar o imóvel à locação. O cuidado deve ainda ser redobrado quando se pretende adquirir um imóvel com a finalidade de locação através de plataforma digital, quando a locação ocorrerá por diária, o que, muito provavelmente, será proibido pela convenção de condomínio.





[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Doutoranda em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA), Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM; Segunda Secretária da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Família e do Trabalho, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental Irregularidades e Seus Impactos Socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação, colunista dos sites YesMarilia e do SINAP/PR na coluna semanal de Direito Imobiliário e Urbanístico do site e do programa apresentado no canal 5 da NET - CWB TV. [2] Possui graduação em Direito pela Universidade Positivo (2019), advogada no escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Pós-graduanda em Direito Imobiliário na Escola Paulista de Direito (EPD). E-mail: camila.dcr.adv@gmail.com. [3] Assistente Jurídico pelo escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Acadêmico de Direito pela Faculdades da Industria - FIEP. e-mail: edilson.dcr.adv@gmail.com. [4] VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 227 [5] VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 18 e 19. [6] DINIZ, Maria Helena, Tratado teórico e prático dos contratos v.3, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 55 [7] Brasil. Lei nº 4.591 de 16 de dezembro de 1964. Dispõe sobre o condomínio em edificações e incorporações imobiliárias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm> Acesso em: 20 de abril de 2021. [8] Brasil. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> Acesso em: 20 de abril de 2021. [9] Condomínios residenciais podem impedir uso de imóveis para locação pelo Airbnb, decide Quarta Turma. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/20042021-Condominios-residenciais-podem-impedir-uso-de-imoveis-para-locacao-pelo-Airbnb--decide-Quarta-Turma.aspx Acesso em: 21/04/2021.

[S1]Não utilizar, o “qual seja” depois da vírgula para um simples adjetivo, o adjetivo junto ao sujeito torna o texto mais fluído [S2]Não utilizar o termo “o qual”, pois se trata de vício de linguagem que torna confuso o texto. Veja que a retirada da vírgula e o termo “o qual” tornou o texto fluído e de mais fácil compreensão [S3]Evite o termo “entende”, utilize mais: compreende, dispõe, aduz, preferencialmente citando o sujeito: o autor, a doutrina, a lei, a jurisprudência, o “entende” isolado fica sem sentido. [S4] [S5]Evitar o uso excessivo do “que”, observe que todas as palavras excluídas melhoraram consideravelmente a compreensão do texto.


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