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REURB-S E REURB-E - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E OS SEUS ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS

Debora Cristina de Castro da Rocha[1]

Claudinei Gomes Daniel[2]

Resumo

O presente artigo tem por escopo tratar das modalidades da regularização fundiária urbana, a saber, REURB-S e REURB-E, bem como o seu fundamento à luz dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, do direito à moradia e de propriedade, sob a perspectiva da legislação aplicável à Regularização Fundiária Urbana (REURB) e a sua amplitude jurídica, imobiliária, urbanística, ambiental e social, consubstanciada na incorporação dos núcleos informais humanos ao territorial urbano, sob a perspectiva da Lei 13.465[3], sancionada em 11 de julho de 2017, que dispõe sobre os mecanismos que visam aprimorar os procedimentos da Regularização Fundiária Urbana.

Palavras-chave: Regularização Fundiária Urbana; REURB; Dignidade da Pessoa Humana, Direito à Moradia; Lei 13.465/2017.

Introdução

A moradia é um direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988[4], que assevera em seu Artigo 5º como Cláusula Pétrea a igualdade de todos “perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Não obstante, consiste em dever do Estado assegurar condições dignas de existência, incluindo o direito à moradia, cidadania e a dignidade da pessoa humana, garantido assim, o direito de propriedade com programas de construção de moradias habitacionais e sociais, tais como o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)[5]

Para além disso, de acordo com o entendimento da melhor doutrina sobre o tema, tem-se que “O Direito à moradia é Direito humano que, em toda a sua extensão, se coloca entre o privado e o social, abrindo margem para a constante análise fenomenológica da experiência desse Direito” [6]. (OLIVEIRA, 2017, p. 37).

O direito à moradia, consagrado como direito social dentro da nossa Constituição Federal e concebido como pressuposto do princípio da dignidade da pessoa humana, consoante asseverado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, e de per se, um direito fundamental inerente à manutenção da vida, passou a ganhar novos contornos com a Regularização Fundiária Urbana (REURB), instituída com o advento da Lei 13.465/2017[7].

Assim, a lei 13.465/2017 dispõe em seu Artigo 9º que, “Ficam instituídas no território nacional normas gerais e procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana (REURB), a qual abrange medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes”.

Daí porque para Oliveira[8], a regularização urbanística é iniciativa que se volta à individualização e titulação imobiliária a partir de área ocupada, com manutenção de comunidade estabelecida, de modo a dar à propriedade real função social.

Pela simples análise do artigo supramencionado, pode-se depreender que levou-se em consideração o fato de que, a despeito de os ocupantes possuírem moradia e estarem exercendo a sua posse, não detêm o título de propriedade, e que somente a sua incorporação através dos instrumentos jurídicos, traz a inclusão desses núcleos humanos ao ordenamento territorial urbano, possibilitando a titulação de propriedade urbana e, por via de consequência, a dignidade da pessoa humana.

Ainda que o instituto seja abrangente e tenha por escopo atribuir a titulação aos moradores, vale ressaltar que existem limitações temporais à aplicação do instituto jurídico, eis que os benefícios da regularização se destinam exclusivamente àqueles ocupantes de núcleos urbanos informais comprovadamente existentes até 22 de dezembro de 2016, consoante depreende-se do § 2º do artigo 9º da Lei 13.465/2017[9].

Outro aspecto relevante da lei e, especialmente dentro dessa análise, está disposto no artigo 13 da Lei nº 13.465/2017[10], que trata das modalidades da REURB, cujas quais consistem na REURB-S (de interesse social) e na REURB-E (de interesse específico), sendo que, conforme o inciso primeiro do artigo 13, a REURB-S caracteriza-se pela regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal e no inciso segundo, a REURB-E, que caracteriza-se pela regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I do referido dispositivo legal.

Até se poderia questionar a importância de tais modalidades em se considerando que ambas têm por escopo o mesmo objetivo, qual seja, incorporar os núcleos humanos informais ao território urbano, todavia, quando o legislador construiu a norma, buscou a diferenciação das modalidades não por acaso, eis que dessa forma tornou-se possível aplicar isenções de custas e de emolumentos àquele que se enquadrasse na modalidade REURB-S, bem como, exemplificativamente, o primeiro registro da REURB-S, que confere direitos reais aos seus beneficiários, dentre outros, o que já não ocorre com a REURB-E, haja vista que nesse caso não haverá isenção.

Ainda que possam haver críticas ao instituto jurídico, certo que a lei 13.465/2017 traz em seu bojo a tentativa concreta com novos instrumentos que, ao que tudo indica, se revelam propícios para resolver grande parte das irregularidades fundiárias urbanas. A titulação através da Legitimação Fundiária, é um deles, assim como o é também a dispensa de apresentação de comprovantes tributários e de penalidades tributárias na efetivação do registro do direito real aos beneficiários. Ou seja, a regularização fundiária poderá ser realizada com um custo menor, ou até mesmo, sem custo para o beneficiário, a depender da situação concreta[11].

Destaque-se assim que, a regularização fundiária de interesse social (REURB-S), se aplica, portanto, aos núcleos urbanos informais e a sua característica significativa é a “população de baixa renda”, tendo em vista as isenções e particularidades deste tipo de regularização. Por outro lado, a regularização urbana de interesse específico (REURB-E), é admitida apenas para os núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata da REURB-S.

Deste modo, quando se fala sobre a abrangência da lei, verifica-se que, muito embora na modalidade REURB-E não haja a isenção do pagamento de custas e emolumentos, pode ser utilizada ainda que por população que não se enquadre como “baixa renda”, podendo ser promovida em área particular ou pública, sendo que nesse último caso, ficará a aquisição de direitos reais pelo particular condicionada ao pagamento do justo valor da unidade imobiliária regularizada, a ser apurado na forma estabelecida em ato do Poder Executivo titular do domínio[12].

Os instrumentos legais para regularizar os imóveis, conforme disposto no artigo 28 da lei obedecem as seguintes fases “I - requerimento dos legitimados; II - processamento administrativo do requerimento, no qual será conferido prazo para manifestação dos titulares de direitos reais sobre o imóvel e dos confrontantes; III - elaboração do projeto de regularização fundiária; IV - saneamento do processo administrativo; V - decisão da autoridade competente, mediante ato formal, ao qual se dará publicidade; VI - expedição da CRF pelo Município; e VII - registro da CRF e do projeto de regularização fundiária aprovado perante o oficial do cartório de registro de imóveis em que se situe a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada”.

Vale destacar ainda, o disposto no parágrafo único do referido dispositivo legal que assevera não haver impedimento para a REURB, eventual inexistência de “lei municipal específica que trate de medidas ou posturas de interesse local aplicáveis a projetos de regularização fundiária urbana”.

Portanto, quando ocorrer o recebimento da CRF, caberá ao notário registrador (oficial/tabelião) do cartório de registro de imóveis da circunscrição competente promover a prenotação e autuação, de modo a instaurar o procedimento registral, cabendo, no prazo de 15 (quinze) dias, a realização de exigências, ou então, o prosseguimento com os atos de registro.

Conforme já mencionado, tanto o registro da CRF como do projeto de regularização fundiária aprovado pelo Município, será requerido diretamente ao notário/oficial do cartório de registro de imóveis da situação da unidade imobiliária e deverá ser efetivado independentemente de determinação judicial ou do Ministério Público, conforme preconiza o art. 42 da Lei em comento.

Cabe observar que, diante de recusa do registro, o notário/oficial deverá expedir a respectiva nota devolutiva devidamente fundamentada, na qual constarão os motivos da recusa, momento em que formulará as respectivas exigências nos estritos termos da lei.

Quanto aos prazos, tem-se ainda que, todo o procedimento registral deverá ser concluído em sessenta dias, prorrogável por igual período, desde que mediante justificativa fundamentada do notário/oficial do cartório competente[13].

Diante de tudo que se evidenciou, não restam dúvidas de que a regularização fundiária consiste em um dos meios mais importante para se garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito à cidades que se revelem sustentáveis, democráticas na mais pura acepção do termo e justas quando se trata do seu aspecto social.

Todavia, ainda que seja inegável a importância da Lei 13.465/2017 para a efetivação de direitos sociais e fundamentais assegurados pela Constituição Federal, não se pode desprezar que, de outro lado, remanesce um imenso desafio para as cidades quando se trata da efetivação da norma no que toca à integração dessas porções territoriais irregulares e, principalmente, da inclusão desses moradores, por meio de processos de regularização fundiária, urbanística e ambiental[14], mesmo porque, diversos núcleos, vilas e povoados não se encontram no perímetro urbano ou de expansão urbana, ou quando se encontram, acabam se deparando com as dificuldades inerentes aos conflitos que podem abranger questões ambientais, urbanísticas, entre outras.

Entretanto, considerando o espírito que move a lei, a despeito das dificuldades existentes, indene de dúvidas que, milhares de domicílios poderão vir a ser regularizados, o que além de possibilitar a titulação da propriedade, se revela igualmente apto a permitir a promoção do resgate da cidadania e da dignidade de inúmeras pessoas através da desburocratização e simplificação dos procedimentos da regularização fundiária urbana[15].

[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (2010), advogada fundadora do escritório DEBORA DE CASTRO DA ROCHA ADVOCACIA, especializado no atendimento às demandas do Direito Imobiliário e Urbanístico, com atuação nos âmbitos consultivo e contencioso; Doutoranda em Direito Empresarial e Cidadania do Centro Universitário Curitiba; Mestre em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba; Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst) e Pós-graduanda em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (EPD); Professora da pós-graduação do curso de Direito Imobiliário, Registral e Notarial do UNICURITIBA, Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA), Professora da Pós-graduação da Faculdade Bagozzi e de Direito e Processo do Trabalho e de Direito Constitucional em cursos preparatórios para concursos e para a OAB; Pesquisadora do CNPQ pelo UNICURITIBA; Pesquisadora do PRO POLIS do PPGD da UFPR; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018, Vice presidente da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/subseção SJP triênio 2016/2018; Membro da Comissão de Direito Imobiliário e da Construção da OAB/seção Paraná triênio 2013/2015 e 2016/2018; Presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da Associação Brasileira de Advogados (ABA) Curitiba; Membro da Comissão de Direito à Cidade da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão do Pacto Global da OAB/seção Paraná; Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/seção Paraná; Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário - IBRADIM; Segunda Secretária da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ); Palestrante, contando com grande experiência e com atuação expressiva nas áreas do Direito Imobiliário, Urbanístico, Civil, Empresarial e Ambiental, possuindo os livros Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Licenciamento Ambiental Irregularidades e Seus Impactos Socioambientais e vários artigos publicados em periódicos, sites jurídicos relevantes do país, capítulos em livros e artigos em jornais de grande circulação, colunista dos sites, YesMarilia e do SINAP/PR na coluna semanal de Direito Imobiliário e Urbanístico do site e do programa SINAP NO AR apresentado no canal 5 da NET e CWB TV. [2]Acadêmico de Direito do 4º Período pela Faculdade Anchieta de Ensino Superior do Paraná – FAESP (Centro Universitário UNIFAESP), e estagiário no escritório Debora de Castro da Rocha Advocacia. Secretário de Presidência do Sindicato dos Advogados do Estado do Paraná - SINAP. Produtor do Programa SINAP NO AR, que vai ao ar no Canal 5 da Net e transmitido na Rádio Blitz.net. E-mail: claudinei.dcr.adv@gmail.com. [3] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm> Acesso em 16 ago. 2020. [4] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em 16 ago. 2020. [5] Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12424.htm#art1> Acesso em 16 ago. 2020. [6] OLIVEIRA, Flávia Bernardes de. Direito à Moradia Sobre Áreas Ocupadas. Curitiba: Ed. Juruá, 2017. [7] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm> Acesso em: 16 de ago. 2020. [8] OLIVEIRA, Flávio Bernardes de Oliveira. Direito à Moradia sobre Áreas Ocupadas, Ed. Juruá, Curitiba, 2017, pg. 91. [9] JR, Prof. Durval Salge. REURB – Regularização Fiduciária e Urbana. Disponível em: <https://youtu.be/9yyosuZNXp8> Acesso em: 16 de ago. 2020. [10] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm> Acesso em: 13 de ago. 2020. [11] Disponível em: <https://www.sinoreg-es.org.br/__Documentos/Upload_Conteudo/arquivos/CARTILHA_REGULARIZACAO_FUNDIARIA_URBANA_2017.pdf> Acesso em: 16 de ago. 2020. [12] Disponível em: <http://www.2rirp.com.br/blog/lei-13-465-2017-regularizacao-fundiaria-urbana-reurb> Acessado em 16 de agosto de 2020. [13] Disponível em: < https://secid.ma.gov.br/files/2019/11/MANUAL-PRA%CC%81TICO-DA-REURB-MA-FINAL.pdf> Acesso em: 16 de ago. de 2020. [14] Disponível em: < https://urbanismo.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=22> Acesso em: 16 de ago. de 2020. [15] Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/Apresentacao%20Reurb%20julho%202017.pdf> Acesso em: 16 de ago. de 2020.


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