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O BRASIL PODERÁ OBRIGAR AS PESSOAS A TOMAR A VACINA DO COVID-19?

O BRASIL PODERÁ OBRIGAR AS PESSOAS A TOMAR A VACINA DO COVID-19? ENTRE A AUTONOMIA DA VONTADE E O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE.


Andréa Arruda Vaz

INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta os principais instrumentos normativos a respeito da vacinação em casos de situações pandêmicas, como é o caso do Covid-19. Recentes discussões a respeito da possibilidade ou não de vacinação compulsórias geraram tal dúvida: poderia o governo impor a vacinação a todos os brasileiros? A resposta está na legislação e no próprio texto constitucional. Ademais, a saúde é um direito universal no país, desde que respeitada a liberdade e autonomia da vontade. A legislação apenas determina a vacinação obrigatória de crianças e adolescentes, sob pena de responsabilidade dos genitores ou responsáveis legais. Quanto a lei 13.979/2020, que prevê a possibilidade de vacinação compulsória, possui incompatibilidade evidente com a Constituição de 1988. A crítica que se tece brevemente, é quanto a interpretação pretenciosa e nada técnica da constituição de 1988. Ademais, ao jurista não cabe a interpretação com base em suas convicções políticas pessoais, mas a responsabilidade de uma interpretação técnica.

1) A OBRIGATORIEDADE DE VACINAÇÃO E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

Recentemente, o país fora envolto em uma pequena polêmica a respeito da obrigatoriedade ou não do cidadão ser submetido a vacinação para combate ao novo corona vírus. A pergunta que muitos brasileiros têm feito é justamente essa: o Estado poderá obrigar a população a se vacinar? Para responder esta pergunta, é importante compreender o contexto legislativo existente no país, quando o assunto é a imunização.

A Lei nº. 6.259/1975 apresenta as principais medidas e procedimentos para identificação e mapeamento de eventual epidemia ou pandemia, assim como a instituição de programas de vacinação, assim como isolamento social e procedimentos para redução e combate ao alastramento do vírus.

O Decreto no 78.231, de 12 de agosto de 1976, Regulamenta a Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975, que dispõe sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunizações, estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças, e dá outras providências”.

Tal decreto regulamenta de um modo geral o programa de imunização e estabelece procedimentos em geral para vacinação em casos de reconhecida epidemia, entre outras temáticas relacionadas a tal circunstância, são regulamentadas por este decreto.

No artigo 29 do mencionado decreto, versa que “É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória”. Assim, o Decreto em tela, apenas determina a obrigatoriedade da vacinação para os menores, sob pena de responsabilização dos responsáveis.

Tal artigo está em total consonância com a previsão do Estatuto da criança e do adolescente de 1990, que em seu artigo 14. Que “O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos”. O próprio estatuto da criança e do adolescente estabelece campanhas de vacinação e combate a enfermidades que podem afetar a população infantil.

Para a discussão em tela, o § 1 o do mesmo artigo 45 do ECA, determina que “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Assim, quando as autoridades sanitárias entenderem que se faz necessária a imunização de todas as crianças, ou faixas etárias específicas para determinadas moléstias, os genitores ou responsáveis sçao obrigados a submeter a criança a vacinação, sob pena de responsabilidade.

Ainda, o artigo 39 do Decreto 78.231, estabelece que “Os atestados de vacinação obrigatória só serão exigidos a partir de 1º de julho de 1978, salvo a hipótese de emergência reconhecida pelo Ministério da Saúde”.

O Estado, para determinados procedimentos pode exigir o atestado de vacinação, qual seja, para viagens para determinados locais, frequentar escolas públicas, por exemplo, e até mesmo para recebimento do bolsa família, lá em

Ainda, o § 1º do decreto 78.231 determina que “Para efeito de pagamento de salário-família por dependentes de segurados de diferentes sistemas de previdência social, os atestados de vacinação obrigatória, somente serão exigidos a partir de 1º de julho de 1978, em relação aos dependentes nascidos a partir 1º de julho de 1977”.

O decreto condiciona o pagamento do salário-família aos dependentes de segurados, a apresentação do atestado de vacinação dos menores, em dia. Tal é justamente para impor a grande parte da população, a vacinação das crianças. Ademais, o dever de proteção da vida, da saúde e da integridade das crianças é dever do Estado, da Sociedade e da família. A ação de proteção e cuidados, inclusive com a saúde é de forma integrada e cooperada.

Recentemente, a lei 13.979/2020, de 06 de fevereiro de 2020, em seu artigo 3º, previu que entre outras medidas para combate ao vírus, poder-se-ia adotar a vacinação compulsória. Entende-se que tal disposição legal contraria literal e diretamente a constituição quanto a liberdade, intimidade e autonomia da vontade, conforme adiante de abordará.

2) A AUTONOMIA DA VONTADE E O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE

O artigo 1º da Constituição de 1988 assegura como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, o respeito à dignidade humana. Assim, a dignidade humana como um dos fundamentos do Estado, pressupõe a prevalência de condições minimamente dignas de vida, saúde, liberdade e autonomia.

O artigo 5º da Constituição de 1988 assegura já no caput, o direito fundamental a Liberdade, assim como no inciso II prevê que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, salvo em virtude de lei.

Ainda, o mesmo artigo 5º da CF/1988 assegura em seu inciso X, que – “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” A intimidade da pessoa, aqui tranquilamente se inclui o direito a autonomia do corpo e seus riscos de violação.

Em contrapartida, a mesma constituição apresenta no artigo 6º, a saúde como um direito social e fundamental para todos os brasileiros. Não obstante, cabe ao paciente, dentro de suas faculdades mentais, desde que capaz, decidir se se submete ou não a determinado tratamento médico. Claro, há embates a respeito da temática, que envolvem justamente essas questões, qual seja, a liberdade e autonomia da pessoa em decidir se receberá a vacina ou eventual tratamento. O mesmo vale para a polêmica em torno da hidro cloroquina. Não houve nenhuma obrigatoriedade, mas ao contrário, o paciente que quisesse de submeter ao tal tratamento, poderia assim optar.

O artigo 196 da CF/1988, assegura que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

Não obstante a saúde no Brasil ser universal, ela não pode ser compulsória, ademais, a obrigatoriedade de submissão a determinado tratamento ou medicação, violaria a Constituição no que concerne aos princípios da liberdade, intimidade e autonomia, salvo os incapazes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, conforme brevemente analisado acima, a legislação em nenhum momento obriga nenhum brasileiro a se submeter a tratamento médico ou até mesmo a vacinação.

Ademais, tal obrigatoriedade feriria preceito fundamental constitucional da autonomia e da liberdade. O Brasil é uma democracia e como tal, deve assegurar como letra maior, o exercício pleno da liberdade e autonomia da vontade. Alguns críticos e antidemocráticos pregam que a vacina deveria ser obrigatória, sob o argumento de que a saúde se sobressairia a liberdade.

Tal argumento não deve subsistir sob pena de se ferir de morte a Constituição democrática de 1988. Nas palavras de uma grande amiga e jurista, “há que se interpretar a Constituição de modo democrático, não podendo a teoria “do meu corpo minhas regras” ser utilizada tão somente para matar bebês ainda na barriga”. (Knihs, 2020) Sem adentrar a polêmica a respeito do aborto, há que se interpretar a constituição de modo técnico e plausível. A dinâmica da interpretação de conveniência e da necessidade de contrariar o atual presidente não pode se sobressair a juridicidade, a técnica. Ao jurista não cabe a interpretação viciada em interesses particulares, mas uma interpretação técnica e coerente da Constituição. A interpretação constitucional deve considerar o feixe de preceitos que a ela rodeiam, jamais aos interesses políticos de que a interpreta!!

Devemos fazer campanha contra a vacinação? Claro que não! Ao contrário, devemos confiar na ciência e buscar dias melhores e a vacina é certamente o maior caminho, para deixarmos no passado o vírus Covid-19.

REFERÊNCIAS

BRASIL, Constituição de 1988.

BRASIL, Lei nº. 6.259/1975.

BRASIL, Decreto Lei nº. 78.231 de 1976.

BRASIL, Lei nº 8.069/1990.

BRASIL, Lei nº. 13.979/2020.

KNIHS, Karla Kariny, em texto publicado em sua página pessoal do facebook, em 04 de setembro de 2020.




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